SÉRGIO SIMON: "Duas pacientes da mesma idade têm câncer de mama com nódulos do mesmo tamanho e recebem tratamentos diferentes. Entenda o porquê".
Tumores aparentemente iguais podem ter características radicalmente diferentes. / Imagem: Thinkstock
Por SÉRGIO SIMON
Maria Alice tem 51 anos e foi tratada de um câncer de mama. Ela tinha um nódulo de 1,8 cm na mama esquerda e os gânglios da axila estavam limpos, sem sinais de doença. Helena também tem 51 anos e também foi tratada de um câncer de mama. Ela igualmente tinha um nódulo de 1,8 cm na mama esquerda e os gânglios axilares também estavam sem sinais de doença.
Após a cirurgia, Maria Alice recebeu radioterapia e um comprimido de anti-hormônio para tomar durante 5 anos. E Helena, após a cirurgia, recebeu 6 ciclos de quimioterapia intensiva, junto com um tratamento à base de anticorpos durante 1 ano, além da radioterapia. Como é possível? Uma delas certamente recebeu tratamento errado, certo? Não! As duas receberam tratamentos absolutamente corretos.
Há poucos anos, Maria Alice e Helena teriam recebido tratamentos idênticos. Mas o fato é que o câncer de mama não é mais considerado uma doença única, mas como um grupo de várias doenças bastante diferentes entre si, que têm em comum apenas o fato de surgirem no mesmo órgão.
Um dos principais avanços da oncologia nos últimos anos foi o reconhecimento que os tumores, mesmo quando aparentemente iguais, podem ter características e comportamentos radicalmente diferentes e, por este motivo, necessitam de tratamentos individualizados.
Uma das funções do oncologista é identificar, com a maior precisão possível, e com a ajuda de vários profissionais, o tipo de aberração ou defeito molecular que a célula tumoral daquele paciente apresenta. Enquanto alguns tumores apresentam mutações de DNA que o tornam mais sensíveis a um determinado tratamento, outro tumor aparentemente idêntico pode ter características moleculares totalmente opostas.
Isto fez com que os patologistas (os profissionais que fazem o diagnóstico do tumor ao microscópio) se armassem de várias ferramentas e testes moleculares para melhor identificar as alterações biológicas de cada caso. Hoje em dia, qualquer laboratório completo de patologia usa muito mais do que um simples microscópio: é a chamada patologia molecular.
IMUNOHISTOQUÍMICA
O exame mais comumente usado na caracterização dos tumores é o chamado de "imunohistoquímica". Neste exame, o patologista recobre uma finíssima camada de tumor com anticorpos específicos, ligados a corantes. Se o tumor apresentar determinadas proteínas contra as quais os anticorpos são produzidos, estes se fixam na célula tumoral e podem ser vistos, pela presença do corante, ao microscópio do patologista. Desta maneira, usando uma variedade grande de anticorpos, o patologista consegue nos dizer de que tecido saíram aquelas células malignas e quais são as alterações moleculares que podem fazer diferença no tratamento do paciente. Além da imunohistoquímica, os patologistas podem se utilizar de várias outras técnicas para identificar mutações ou alterações genéticas nas células tumorais.
EXPRESSÃO GÊNICA DO TUMOR
Outro teste que vem ganhando espaço, mas ainda não é realizado rotineiramente em nosso meio, é o exame de expressão gênica do tumor. Este exame testa, através de técnicas laboratoriais, quais são os genes que se encontram ativados ou desativados num determinado tumor, determinando um comportamento biológico específico. A expressão (ou falta de expressão) de determinados genes é o que acarreta certos comportamentos da célula tumoral como agressividade, alta proliferação, invasão dos tecidos vizinhos, etc. E, para alguns tumores, já se conhece quais os genes são determinantes do comportamento biológico.
Assim, no câncer de mama, já é comercializado nos Estados Unidos um teste conhecido como Oncotype Dx (realizado pela Genomic Health, na Califórnia), que analisa 21 genes de uma determinada amostra de câncer de mama. Este teste é válido somente para tumores que contêm "receptores hormonais", e consegue classificar os tumores em "baixo risco", "alto risco" e "risco intermediário de recidiva". Este teste é feito em uma lâmina de tecido tumoral, que pode ser enviada por correio.
As pacientes que têm tumor de "baixo risco" normalmente não se beneficiam com o tratamento quimioterápico, mas têm grande benefício com o tratamento hormonal. As de alto risco, entretanto, continuam com chance alta de recidiva se forem tratadas somente com hormonioterapia e, neste grupo, o benefício da quimioterapia é muito grande. As pacientes do grupo intermediário ainda são objeto de debate, e cada caso deve ser discutido individualmente com a paciente.
TRATAMENTOS DIFERENTES
Nas duas pacientes em questão foi isto que aconteceu. As células do câncer de mama de Maria Alice apresentavam marcação muito forte com os anticorpos contra os "receptores hormonais". Estes receptores são proteínas que facilitam a entrada de hormônios no núcleo da célula e permitem que estes hormônios alterem o funcionamento celular. Neste caso, o tumor de Maria Alice era muito rico em receptores de estrógeno e de progesterona, mostrando que as células tumorais dependiam muito destas substâncias para sobreviver. Por isto, ela recebeu um anti-hormônio como tratamento.
Além disto, o patologista descobriu que as células não apresentavam a proteína HER2 na sua superfície, e descobriu que as células daquele tumor tinham uma atividade de proliferação muito baixa - só 4% das células tumorais apresentavam sinais de estarem proliferando; ou seja, era um tumor de crescimento bastante lento e bastante sensível aos anti-hormônios. E além de sensíveis aos anti-hormônios, estas células geralmente são resistentes à quimioterapia. O exame do tumor de Maria Alice mostrou ainda que ela se encontrava no grupo de baixo risco de recidiva, confirmando a baixa agressividade de sua doença. Daí a escolha por um tratamento sem quimioterapia, baseado em anti-hormônios.
As células do tumor de Helena, entretanto, não se tingiram com os anticorpos contra os receptores de estrógeno e progesterona (eram "receptor hormonal negativas"). Portanto, o tratamento com um anti-hormônio não foi indicado, pois os hormônios não têm ação sobre estas células. Por outro lado, suas células se coraram fortemente com o anticorpo contra a proteína HER2, o que fora negativo no caso de Maria Helena.
A presença da proteína HER2 no tumor de Helena confere às suas células agressividade e invasividade aumentadas. As pacientes que apresentam esta proteína na superfície de suas células tumorais são muito mais sujeitas a apresentar metástases num espaço curto de tempo. Além disso, estas metástases tendem a aparecer em vísceras importantes como o fígado, os pulmões e o cérebro. O exame de imunohistoquímica de Helena mostrou ainda uma alta atividade proliferativa: 75% de suas células estavam em processo de proliferação. Daí a necessidade de um tratamento quimioterápico mais agressivo, acompanhado de um anticorpo anti-HER2 durante 1 ano.
Assim, duas pacientes com doença aparentemente igual receberam tratamentos totalmente diferentes, adaptados às características de suas células tumorais. Ambas receberam tratamento ideal, feito sob medida.
* Sérgio Simon é médico oncologista no Hospital Israelita Albert Einstein, Médico Diretor do Centro Paulista de Oncologia (CPO) e Presidente do GBECAM ( Grupo Brasileiro de Câncer de Mama).
Fonte: msn estilo