Nos últimos quatro anos, o governo se esforçou em convencer
os brasileiros que a Copa do Mundo ajudaria a impulsionar a economia, criando
empregos, multiplicando os investimentos e atraindo um grande contingente de
turistas para o país.
"O Mundial é uma oportunidade histórica
para promovermos desenvolvimento socioeconômico no âmbito local e
nacional", disse, por exemplo, Joel Benin, assessor para Grandes Eventos
do Ministério dos Esportes, no início do ano. "Ele gerará 3,6 milhões de
empregos, movimentará bilhões e deixará um legado importante na área
econômica."
A
divulgação dos resultados para o PIB confirmou que, como os analistas
esperavam, o Brasil entrou em "recessão técnica" no primeiro semestre
de 2014 - situação caracterizada por dois trimestres seguidos de crescimento
negativo.Passado o evento, porém, consultorias econômicas, como a Tendências e
a Capital Economics, fizeram seus cálculos e concluíram que o seu efeito geral
sobre o PIB foi nulo ou insignificante. Mas poucas esperavam um impacto
negativo.
Segundo dados do
IBGE, o PIB do último trimestre recuou -0,6% na comparação com o trimestre
anterior e -0,9% em relação ao mesmo período do ano passado.
Também houve uma revisão para baixo do
resultado do primeiro trimestre, de um crescimento de 0,2% para uma queda de
0,2%.
Entre os fatores que puxaram o PIB para baixo
estão a queda de 5,4% nos investimentos neste trimestre e a redução de 1,5% na
produção da indústria. Também houve uma queda de 0,5% nos serviços e 0,7% nos
gastos do governo.
Nesta sexta-feira, o ministro da Fazenda,
Guido Mantega, voltou a culpar a Copa do Mundo – e redução de dias úteis por
causa do torneio – pelo baixo desempenho da economia. Mantega também citou o
cenário internacional adverso e a seca como motivos para a redução do PIB no 2º
trimestre.
Ele, entretanto, negou que o Brasil tenha
entrada em recessão.
"Não dá para dizer [que o país esteja em
recessão] (...) Não se deve falar em recessão no Brasil pois, para mim,
recessão é quando se tem uma parada prolongada, de vários meses. Aqui estamos
falando de um, no máximo dois [trimestres]. E recessão é quando se tem
desemprego. O emprego continua crescendo e a massa salarial também. Não dá para
dizer que a economia está parada. O mercado consumidor não está
encolhendo", afirmou Mantega.
Mantega também atribuiu a desaceleração da
atividade econômica ao aumento dos juros pelo Banco Central.
Mas a Copa foi a culpada pela queda do PIB no
período? Se há consenso de que temos um problema no que diz respeito ao
crescimento, o diagnóstico de suas causas está longe de ser uma unanimidade.
Além do Mundial, o governo também culpa o
cenário externo desfavorável pela recessão.
Para analistas consultados pela BBC Brasil,
as causas do desaquecimento são internas e a Copa até pode ter contribuído um
pouco para a queda do PIB no primeiro trimestre ao paralisar alguns setores do
comércio e serviços e ajudar a frear a indústria, mas definitivamente não está
entre as principais causas da recessão.
'Cereja'
"O Mundial foi apenas a cereja do
bolo", diz Alessandra Ribeiro, da Consultoria Tendências.
"A indústria, por exemplo, já vinha
reduzindo suas atividades em função de uma série de fatores ligados a más
políticas, queda no consumo, expectativas negativas e problemas de
competitividade. Quando começaram os jogos seu ritmo caiu de vez, mas o cenário
não seria muito mais favorável sem o Mundial."
O economista Cláudio Considera, responsável
pelo Monitor do PIB do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio
Vargas (IBRE/FGV) e Neil Shearing, da consultoria Capital Economics concordam.
"O impacto da Copa na economia como um
todo – seja ele positivo ou negativo – deve ter sido pequeno.", diz
Shearing. "É preciso lembrar que o torneio só ocorreu no final do segundo
trimestre – e em abril e maio a performance da economia também foi fraca."
Para os analistas, há pelo menos três razões
por trás do desaquecimento.
A principal delas seria o cenário de
incertezas das eleições, que teria inibido ainda mais os investimentos em um
momento em que eles já estavam fracos.
"O Brasil não está crescendo porque não
está investindo", diz Considera.
"E nesse segundo trimestre houve uma
queda ainda maior no nível dos investimentos em função das incertezas
provocadas pelas eleições: os empresários tendem a não se arriscar e estão
esperando para ver quais rumos a política econômica deve tomar."
Ribeiro, da Tendências, concorda.
"Há um descontentamento entre
investidores e empresários sobre a política econômica do atual governo, uma
percepção de que ela está desequilibrada", diz ela.
Entre os alvos das reclamações nessa área
estariam o uso de artifícios como a represa de preços administrados para
controlar a inflação, a suposta falta de controle sobre os gastos do Estado, e
o que é visto pelos empresários como um excesso de intervencionismo estatal na
economia.
"Na dúvida, os empresários estão
esperando para investir. Querem ver que governo sairá das urnas antes de tomar
qualquer decisão", opina Ribeiro.
Indústria
Uma segundo causa do desaquecimento seriam
problemas experimentados pela indústria, que teriam derrubado sua
competitividade.
A economista da Tendências cita, por exemplo,
o fato de o custo médio dos salários ter aumentado 12,7% desde 2011, enquanto a
produtividade do trabalho na indústria cresceu pouco mais de 2,6%.
"Com o tempo isso ajudou a minar sua
capacidade de competir com importados e no exterior. Além disso, a indústria
automobilística em especial está sendo prejudicada pela queda das exportações
para a Argentina", diz.
Shearing menciona como um terceiro fator para
o desaquecimento a queda geral dos níveis de consumo, que sustentaram o
crescimento nos últimos anos.
"Esse é um dado recente: o consumo
começou a cair, talvez em resposta ao aumento dos juros, após um período de
boom no crédito e aumento no endividamento das famílias", afirma.
por Ruth Costas